"Terra Vermelha" - Birdwatchers - Film by Marco Bechis
O chão é de terra batida e de um avermelhado intenso. O sol é o do meio dia, mesmo sendo dez horas da manhã ainda. Não há árvores por perto apenas cabanas distantes umas das outras, bancos de madeira e um grupo desconfiado de índios Kaiowás de todas as idades. Crianças, senhoras, rapazes e moças...e Ambrósio, o líder deste grupo indígena da aldeia Guira Roka em Dourados/MS.
Tudo muito estranho...tudo muito novo...tudo inexplicavelmente confuso e bárbaro.
Ao centro deste grupo humano, arquetípico e atento sou instigado a começar. É me dado a palavra e a permissão para agir diante deles, mostrar...ser o que vim a ser. Ensinar! Mas o que?
Após muitos minutos à espera de Ambrósio (que depois entendi ser uma forma de me testar e observar fazendo-me aguarda-lo por mais de hora no primeiro dia, meia hora no segundo e sendo pontual no terceiro), da dança ritualística deles e da reza, me vejo - ou melhor - me vêem estático e absorvido pelo sol e pela terra quase como uma árvore que ali nasceu e que não pretende se mover por muito e muito tempo. Solitário navegador terrestre diante da cultura milenar querendo se comunicar, compartilhar, atuar.
Sou um ator bissexto, diretor de teatro e estava preparador de atores neste momento único e vivido por poucos (ou quase nenhum nestas condições). Preparar atores indígenas? Preparar não atores indígenas? Que ambição, que desafio, que maravilha. Antes, no entanto, precisava ser preparado. E o preparador que se deixa ser preparado é um sábio. Primeiro ouve, absorve, recebe e crê. Comunga - como fiz neste primeiro dia com eles - da experiência rica e viva de estar presente junto daqueles que um dia foram a essência deste país. Raiz profunda da cultura e do saber. Vasto, sagrado instante, repito, em que, ao invés de agir com meia dúzia de exercícios aprendidos nos filmes da vida e nas salas de aula de um escola de teatrinho qualquer e mostrar um "método" infalível de preparação de atores como os vendidos por aí me fiz vazio de tentáculos profanos e respeitosos.
Parei.
Olhei
Senti.
Estava ali um dia pro resto da minha vida lembrar...
E uma história que estava apena pra começar...
Obrigado amigos Kaiowás pela preparação. Para o resto da vida...
(continua...)
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