Sobre árvores e esquecimentos


Cada vez mais (ou menos como quiserem, depende do ponto de vista) ao aprendizado de cada processo de preparação, me sinto confiante em dizer da necessidade de um estado além, para uma pessoa - ator experientes ou não - "ser" algum outro diante da câmera.

Homens, mulheres, crianças seja você quem for...não atuem, por favor!..se esqueçam, se percam, gritem enlouquecidamente diante do espelho e vejam de olhos fechados o quão escuros somos por dentro. Aí então, respirem com o coração e não tenham medo do sofrimento, da angústia e da paixão. E verão, certamente verão, com os olhos deste coração antes frio, que atuar é o que menos importa ao ator e que é preciso desaparecer, sumir com suas máscaras e suas fortalezas para um "tal" encantamento ser arrebatador, digno de surdos aplausos e lágrimas de gozo.

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Já se nasce assim? Com essa tal coisa misteriosa, própria dos atores e atrizes iluminados?

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Poucos são entendidos, mas muitos admirados.

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E eu fico atento ao meu encontro com eles (não falo das divas do teatro nem dos astros do cinema). Num trabalho, num filme assistido, numa conversa. Doido para cada vez mais rápido vê-los através do olhar mecânico da câmera e poder sentir-me diante de um poema, de um "Pessoa", de um abismo...

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(eis um trecho de Passagem das Horas aos que atuam...)
"...
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.
...

Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.
..."
(Álvaro de Campos)

...

Enfim...

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