Sorte dos grandes goleiros.

Aos grandes goleiros lhes é dado, divinamente, a sorte. Não que eu seja um desses talentosos guarda-metas, mas também tenho (até então) tido encontros memoráveis nos filmes que realizei.

Não foi diferente em "O menino da porteira". E o mais lindo ainda foi que, num mesmo momento, me vi diante de opostos que já não se misturam mais, mas são, absolutamente, o complemento um do outro. Que desafio.
João Pedro e seus oito poucos anos, menininho de tudo, amigos dos cavalos e jeito encantador.
Daniel e sua alma incandecente de cantor, carreira musical sólida e um artísta apaixonado.
Pude intermediar esse encontro.
Conduzir ao mesmo tempo duas voltagens distintas para um mesmo curso final. Como se duas afluentes precisassem desaguar num rio misturando suas águas com coloração e forças opostas.
Para Daniel sobraram coisas mais técnicas. Um caminho árduo foi percorrido, horas e horas diárias buscando dar-lhe domínio para em seguida despertar-lhe a capacidade de abandonar-se. E engana-se quem acha que ele ficou no meio do caminho. Ele topou prontamente que precisavamos ir além da sua imagem como cantor. E fazê-lo desaparecer foi uma conquista dura e impressionante na forma de arrebatamento e verdade. Eis que então, com brilhantismo e dedicação apaixonada, revela-se um ator absorvido pelo ofício, atento, atirado e completamente entregue.
Joãozinho fez o caminho dos encontros suavizado pelo lindo jogo do faz de conta. A aproximação com as coisas da história, dos personagens, dos outros atores e com Daniel foi tratada e conquistada por meio do inusitado. Sem antever, pré determinar, decorar. Foi feito menino novamente, o da porteira, sem tirar nem pôr do João, só que agora com um estilingue na mão.

Eles estão juntos para sempre. Se vejam ou não novamente. Estão lá! Lindos, queridos e de uma imperfeição maravilhosa. O adulto que precisou inventar-se criança novamente para poder ser outro. A criança que, com atenção da maturidade perigosa, se fez responsável para trabalhar junto a outros homens também (e que isso seja tratado sempre de forma cuidadosa a não interromper a meninice de ninguém).
Oh gente boa também os outros atores deste filme com quem cruzei...
E eu estava lá, sortudo ou não, estava.
Comungando, aprendendo, gostando...
E gostei.


(João Pedro e Daniel)

Comentários

Anônimo disse…
Voce é um Yashin, um Mazurkievicz dos palcos
luiaracd disse…
Luiz, estou extremamente feliz em reencontrar-me com seu trabalho. Parece que o destino nos prega umas peças engraçadas, hoje estava no pronto socorro tomando soro com cólicas fortíssimas e assistindo a Ana Maria Braga ouvi o Cantor Daniel fazendo uma citação sobre o seu trabalho, naquele mesmo momento tive certeza de que era vc.
Quando participei do seu curso nos Barracões Culturais da Cidadania em Itapecerica, nunca me esqueço da vez em que, em suas aulas, vc contou sua história no curso com Antunes Filho que foi sua grande referência teatral, agora posso dizer que vc foi minha grande referência teatral. Parabéns por suas conquistas, vc é uma pessoal excepcionalmente capaz e competente e está apenas colhendo resultados do seu ser mais profundo.
Eu estou estudando pedagogia na UFSCAR, o teatro continua em meu coração e o seu trabalho em minhas memórias!
Um Grande Abraço.
Luiara.

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