"Terra Vermelha" - Birdwatchers - Film by Marco Bechis em Veneza

DIÁRIO - 02

POR UMA PREPARAÇÃO DE ATORES SEM MÉTODOS
AO ESTILO GUARANI KAIOWÁ

O PROCESSO

A preparação de atores em "Terra Vermelha" filme dirigido por Marco Bechis foi além de todos os conceitos e todos os sistemas que já utilizei ou mesmo pensei um dia sobre o trabalho do ator no cinema. Único e exemplar. Depois de alguns meses convivendo diariamente com o povo indígena percebi o quanto é possível ser verdadeiramente "outro" sendo você mesmo diante de uma câmera. Explico melhor: o estado lúdico que os índios Kaiowás conseguem atingir é visceral e revelador. Sem máscaras ou artifícios entregam-se rapidamente ao jogo dramático sem meios termos e sem cerimônias. Fizeram de si próprios narradores atores de situações imaginárias com a mesma verdade da dura vida real que levam. Eram sempre eles nas improvisações, só que com outros estados de ânimos e emoções sugeridas por mim durante o processo.
E como foi esse processo que deveria caminhar no sentido de não perder a força natural e espontânea dos kaoiwás? Topei o grande desafio de Marco que não queria cena nenhuma ensaiada antes do set de filmagem. Então conduzi os atores indígenas por um caminho de buscar incertezas – já que, por serem um povo em constante luta, sempre prontos a tudo, com força e convicções, precisavam adquirir esse novo estado diante do outro, que não o inimigo, o outro com um olhar amistoso os perseguindo com uma câmera na mão. Propuz então um repertório que não agredisse nem alterasse o estado físico e emocional deles. Das incertezas deste novo momento diante da câmera eles percorreram por um vasto e intenso período de enfrentamento, com situações reais e imaginárias, desenvolvendo suas capacidades dramáticas a partir de improvisações que circundassem o roteiro. Veio então a certeza que esperávamos...
E o aprendizado desta nova descoberta se deu pelo encantamento. Do encantamento dos homens, mulheres, crianças...dos indivíduos Ambrósio, Abrísio, Kiki, Alicélia, Eliane, Poli, Seu Nélson e todo povo Kaiowá individualmente. A descoberta de serem atores e atrizes aconteceu quando, diante de outros atores profissionais do filme, se perceberam iguais, nem menos, nem mais. O ator “branco” (como eram chamados carinhosamente) se misturou com eles e assim, como a quinhentos anos passados, olhou para esse povo admirado e se encantou. Estavam ali, diante deles, os atores indígenas do filme de Marco Bechis: lindos, intensos e orgulhosos de mais uma luta vencida. Preparados para, no momento da ação de filmar, responderem as orientações do diretor, com a "tal" verdade cênica e principalmente, propondo soluções além do próprio universo real numa recriação de suas dores, angustias e luta.



Comentários

Anônimo disse…
Pena de nós que fizemos teste, passamos e nos dispensaram! Foi muito triste, porque estavamos muito felizes com a oportunidade que estavamos tendo e simplismente nos cortaram.
André Finotti disse…
Sobre o comentário acima. É verdade, é triste não ser selecionado. Mas o filme é de todos kaiowá, com certeza vai ajudar na luta, que é muito maior que o filme, onde cada um vai ter o seu papel com certeza. Seja como ator ou não.

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