Um carnaval de "restos humanos"
Estive por 10 anos coreografando e dirigindo comissões de frente em "escolas"(?) de samba.
E então irão me perguntar o que isso tem a ver com o ator e sua poética ??
Pouco, muito pouco direi numa resposta rápida...mas pensando com mais calma...teve a ver comigo, no meu processo de aprendizado, marcando passo, criando movimentos na tentativa (vã) de conquistar a emoção!! Um aprendizado do erro, do cansaço e na briga incessante em extrair a chama dramática no formato limitado imposto, e que aceitei.
Mas como é possível num espetáculo (?) chamado "Desfile das Escolas de Samba de São Paulo" criado, realizado, julgado de forma esqualida e pobre ir muito mais além do que as plumas, as bundas e os balagandãs?
Impossível ver alma e pulsação por baixo das tais fantasias repetitivas e encravadas sobre a "tal" comunidade que pensa apenas em aparecer.
Como o ser atuante, mágico, digno que demonstra a vida e a nobreza de ser algo mais que um depositador de panos e miçangas pode brincar e zombar da vida louca dos outros se é tolhido a simplesmente "desfilar/marchar"?
Convivi nestes 10 anos com uma cultura que não é mais cultural, se perdendo no círculo vicioso que os comandantes e artistas sem arte própria criaram neste mundinho que se fecha em si mesmo. Este carnaval não respira, é sufocante.
Há pouca inteligência nos desfiles de carnaval de São Paulo (há?). Sobram restos humanos e fragmentos de idéias evaporadas com a quarta-feira de cinzas e com a expectativa num próximo ano melhor...
O sabor das loucuras e permissões antigas na festa de Momo acabaram. Saudar a ironia e arriscar novidades até mesmo equivocadas então, nem pensar. Três mil pessoas, em média, por entidade (escola jamais) de samba desfilam robotizadas sob olhares da probreza afetada que o luxo das fantasias encobre.
Sou do tempo dos desafios, das inquietudes, do risco e do desapego a formas fixas e posturas arcaicas. Tenho gosto pela sensação do arrepio de me ver através de outro. De atuar no espaço e recriar espaços por onde nunca se pensou pisar.
No entanto, único personagem que sobrevive neste raquítico encontro é MOMO. Não haverá presidente, diretor, jurado, liga e outros cargos ilusórios que destruirão nosso bufo, nosso arquétipo farsesco popular.
Ele há de retornar das cinzas de quarta-feira e, com o poder de Fênix que por hora lhe abafam, ordenar a não mais se chamar este encontro de desfile de carnaval. Vai chamar-se "Desfile De Restos Humanos"!!!! Pois sem o saudosismo peculiar de outros, Momo sabe que aquela festa antiga e bacana jamais voltará. Ficam os restos e as migalhas.
Muda-se então o nome e todos viverão felizes, com suas consciências tranquilas pelo óbito não assumido por ninguém, dos outros Carnavais...
A "Marcha de Carnaval" continuará ano que vem (do jeitinho que é), mas faço uma homenagem aos anos passados, onde por instantes opulentos pude conviver e ver uma arte do ator significativa e diante de uma platéia grandiosa. A esses momentos e aos que se aceitaram humildes atores/poetas, muito obrigado. O carnaval de MOMO, agradece!!!!!!