Ator vidente

(gravura de Luciano Bortoletto)

"Eu é um outro."

"O poeta se faz vidente por meio de um longo, imenso e estudado desregramento de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele busca por si mesmo, esgota em si todos os venenos, para guardar apenas suas quintessências. Inefável tortura em que ele precisa de toda a fé, de toda a força sobre-humana; em que ele se torna entre todos o grande doente, o grande criminoso, o grande maldito, – e o supremo Sábio! – Pois ele chega ao desconhecido!"

"É errado dizer: eu penso. Deve-se dizer: sou pensado!...Quero ser poeta e trabalho para tornar-me VIDENTE"
(Arthur Rimbaud)


Meu "eu" são vários "outros". Ao ator resta o desregramento de todos os sentidos, tal qual o poeta, para tornar-se vidente ou o dissecador silencioso de almas.

Buscar na quintessência de seu íntimo os impulsos que contornarão as vidas "outras" que o drama ficcional necessita. Permitir a si próprio que todo acumulo de repertório (e este é fundamental para o abandono cego em sua escuridão) ecoe por seus canais de expressão. Abandonar-se para depois reencontrar-se num estado alterado de consciência, então plena, de suas capacidades funcionais artísticas.

O impulso que gera esse caos imediato é resultado da busca em ser vidente, poeta. Ver o invisível para então nominar os novos estados e as novas sensações.

O ator vidente não tem apego pelo que produz. Cria e abandona com a sabedoria do novo diante de si.
O ator vidente não olha para as coisas como elas são. Vê através de um mistério e assim como Rimbaud, vê como gênio, delinqüente, demente, místico, louco, selvagem, poeta, masoquista, amoroso, rude...vidente.

No mais, ter fé nisso, não significa entendimento. Apenas revela um caminho para o prazer em sempre ser "eu-outro". Do natural da sua natureza primária e sábia.

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