CARTA PARA ATORES

CARTA PARA ATORES
(Esta carta foi escrita por Andriy Zholdak em seus ensaios de sua nova produção do Jardim de Cerejeiras do Turku City Theatre (Finlândia), produção de maio de 2012)

Eu entendo... nós não temos um coletivo, não temos um grupo, só existe uma ilusão... a questão está aberta... a primeira variante é se teremos um coletivo. Se não tivermos ou não conseguirmos ter um coletivo, então não será uma performance. E virá o tempo que vocês vão precisar pensar apenas em vocês mesmos.
Demora para dar a luz a um coletivo. Hoje, o coletivo não existe.
Existem problemas com cada ator; o problema da falta do coletivo associado com sua indiferença em relação `a missão do teatro, com um entendimento diferente do teatro, com a diferença entre desejos. Afogado em surdez. Como eu posso transmitir os segredos, vocês precisam desses segredos? Eu não quero dar a vocês só a mis en scene e como atuar. Isso é claro. Eu devo transmitir esses segredos, mas vocês têm que entendê-los. Mas eu não sei como transmitir a vocês esses segredos. Eu não sei como. Esses segredos vocês transmitem aos espectadores. E eu não sei se vocês precisam desses segredos.
Seu desejo do material e do texto, eles são mínimos.
Sua psique no ensaio combina dois procedimentos: faça uma coisa, pense outra, diga uma terceira. Sua falta de verdade e reticência são intensas. Vocês estão muito fechados. Seus olhos não podem ver, o coração não pode sentir, suas bocas estão secas. Suas mãos estão sólidas, você é forte, você é funcional. Vocês preenchem os desejos e a vontade do diretor. Vocês não têm alegria, deslumbramento. Nesse ponto vocês estão aqui e agora. Vocês não se deslumbram de nenhuma maneira, vocês não têm vida. Vocês não conseguem respirar com seus pulmões inteiros. Seu controle, a lógica do controle cobre tudo, e paralisa tudo. Primeiramente, ela paralisa vocês.
Vocês não têm no ensaio sentimentos de tristeza, simpatia, compaixão. Vocês não têm uma reação com alma, imediata. Onde estão os seus impulsos? Vocês são um colete apertado. Um colete lacrado. Vocês não se despem, e não me dão chance de eu tirar, tirar de vocês esse colete apertado. Vocês apenas aprendem a mis en scene, a ação e o texto de maneira estúpida, como se pudesse ser um papel. Vocês me olham com reprovação.
Mas cada novo ensaio é uma rejeição do ensaio de ontem, das condições de ontem. O ensaio de hoje é uma oportunidade de dizer a si mesmo que você não sabe. Hoje você não sabe. Você perde relação com a vida no palco. Você perde o imprevisível, você não sabe como mudar de ritmo e espírito. Como vocês não tem surpresas, são lógicos e consistentes. Vocês ficam no chamado realismo. Seus olhos não têm surpresa, não têm nenhuma reação `as coisas que vêem- esse palco, o cenário, seu parceiro, tudo isso é muito conhecido para você. Você praticamente não sabe se conectar com o diretor. Como interagir e entrar em um contato profundo comigo. Como conseguir estar em contato sem explicação lógica.
Seus terceiros e quartos e quintos olhos não abrem. Terceiro- aqui- o quarto- aqui- o quinto e o sexto- aqui. Eles não funcionam. Vocês ignoram ou esqueceram por completo de sua existência. Sua visão é limitada. Ela não tem a medida de seu entorno nem de dentro de si. Você está inerte. Inércia significa que você se move como todo mundo, como todos.
Você está inerte e passivo. Você espera essas ordens e subconscientemente almeja por essas instruções: como existir, o que fazer. Você tem em suas veias sangue frio, sangue gelado. E eu tenho que bater em suas mãos em cada ensaio, esquentar suas veias, esquentar seu sangue. Eu preciso que vocês tenham incisões em suas mãos, em suas veias, que vocês estejam com medo e alertas, e tenham sentido quão quente é o seu sangue. O sangue que você vai começar a derramar de suas veias diminuídas. Você não tem nenhuma excitabilidade. Seus instintos dos belos animais selvagens estão cegos. Você está bem nutrido, próspero, você fica equilibrado e confortável. Você se apega com medo `a esse equilíbrio e conforto. Você fica nas condições de pessoas normais, de pessoas comuns. Você não tem em suas mãos e pés as patas de um gato quando tem vontade de pular em uma presa.
Seu instinto de ataque está enfraquecido. Seu instinto de prazer também foi enfraquecido, seu instinto de sexualidade e seus desejos sexuais estão fracos. Você está muito civilizado e normal. Você não sabe ou esqueceu o que é o tremor, a convulsão, a dor da facada, o impulso selvagem. Você esqueceu como e onde os sentimentos reais vêm e nascem. Você está fechado dos seus sentimentos, você está com medo desses sentimentos, você foge desses sentimentos. Você foge da verdade dentro de você você está longe. Você se perde. Você não tem desejo de se rebelar.
Você tem segredos e é amigável culturalmente, mas ao mesmo tempo, tanto quanto possível você está coberto pela máscara e a distância entre nós. Você é previsível. Suas mãos e olhos expressam falsa sinceridade. Você está vazio. Você está cansado. Você está com medo. Você é como gatos e cachorros castrados que perderam seus instintos e desejos. Você não tem distúrbios de psique. Você não fica no limite da condição humana e animal.
Você está afetado com tranquilidade, sentido do correto, e quer fazer e repetir grandemente as coisas que já fez antes. Quando eu fico muito tempo entre vocês, com vocês, então eu observo sua calma, sua fraqueza, sua suavidade, elas penetram dentro de mim. Vocês envenenam o ar ao redor de vocês, vocês sujam outros atores ao redor de vocês, atores que estão sentindo.
Vocês fazem eles normais, pela sua respiração venenosa. Sua irradiação é mínima. A palavra hipnose não é conhecida de vocês, e é proibida. No momento que falta o talento a vocês, vocês se unem muito rápido e se tornam pilares de pedra. São esses pilares que eu combato; vocês são substâncias impenetráveis. Vocês perderam feminilidade, masculinidade. Suas palavras dos textos estão vazias. Vocês tentam dar a essas palavras... vocês tentam dar a essas palavras algo de seu, como se fossem suas. Mas são mentiras venenosas que vêm de vocês, essa inverdade cobre, esconde seu conforto e sua conformidade e sua indiferença.
Seus textos estão vazios. Eles me lembram das cavernas de rocha dos povos antigos que não acendiam. Vocês são melosos. Vocês são medrosos. E falsos. Vocês trabalham por inércia, forçados, como se alguém tivesse-os forçado a trabalhar. Vocês trabalham como pessoas que trabalham pesado nas pedreiras. E vocês estão esperando o apito do almoço e da parada. Vocês esqueceram que o primeiro ator na terra foi Prometeu, que ameaçou os deuses e que roubou a luz da festa dos deuses? Ele roubou a luz para as pessoas. Ele tirou seus próprios olhos, colocou lá o fogo, de novo colocou então seus olhos, e se moveu numa grande distância até a Terra. Foi uma longa jornada até a Terra, onde as pessoas viviam no escuro. Ele deu a eles essa luz, esse fogo.
O ator é a criatura que dá, que acende, que dá, que acende e ampara as luzes dentro das pessoas no mundo, amparando as luzes dentro das pessoas no mundo, dando a elas a esperança da vida. Atores dizem `as pessoas novidades de como viver melhor. E eu certamente me rebelo contra vocês. Eu chamo pela ajuda de Prometeu. Vocês esqueceram do seu pedigree. Quando eu vejo vocês, e fico perto de vocês, eu sinto que vocês extinguem o fogo dentro de mim. Vocês jogam água nas chamas.
Vocês não têm o sentimento de salvação e antecipação. Sua perspectiva é absolutamente distorcida. Vocês não vêem que estão num navio e o navio joga de um lado para outro. Nós estamos num mar tempestuoso. Mas suas mãos estão moles, suas ações são incompreensíveis. Vocês perderam o sentimento dos descobridores. Vocês são como os marinheiros de Colombo, cansados de nadar. Vocês querem uma costa e um descanso. Mas não existe espaço para respirar. Aqui é uma luta pela sobrevivência, a luta entre a verdade e a não verdade. A luta entre vida e morte. E esses surtos, esses trovões que caem nesse navio de um céu escuro, esses flashes de Artaud louco, eles iluminam para mim, eles reforçam para mim seus rostos confusos e seus olhos indiferentes.
O Van Gogh machucado ou o Beethoven surdo não vêm para vocês em seus sonhos.
Eu bato em seus corações petrificados e calmos. Eu peço pelo seu entendimento. Eu tenho que ensaiar com vocês todo dia como se fosse o último da minha vida. Eu tenho que acelerar e pular e brigar contra a parede, contra a sua grande parede; para provar para vocês -e fazê-los descobrir -que podemos sair da terra; que somos formigas voadoras e pássaros.
Vocês são semideuses, como está escrito nos livros antigos. Que vocês não façam apenas seu trabalho como artesãos que trabalham para instituições como o Deutschbank. Vocês não são como eles, não são como eles, como eu posso lembrar vocês disso?
Vocês foram escolhidos, vocês foram marcados, vocês são especiais, vocês são oráculos e pregadores. Vocês são a substância que tem as criaturas honestas e selvagens, abertas e famintas. Vocês amam e são amados. Vocês não são feitos de plástico, mas do sangue vermelho que fica dentro de vocês, e que dá a vocês os instintos da vida verdadeira. Como eu posso lembrar a vocês que vocês são generosos e gentis, que seus corações batem e que estão fartos de todas as pequenas feiúras e injustiças. Vocês são os defensores da beleza interior do ser humano, vocês- profetas. Vocês esconderam e preservaram os ideais e os seus desejos são muito fortes. Vocês estão no meio da batalha entre o bem e o mal, entre o limpo e o sujo. Agora depende de vocês, agora, depende de vocês tantas coisas, e tanto.
Vocês estão conectados diretamente com os espíritos, os espíritos dos mortos. Vocês trabalham também com alucinações e fantasmas de personagens. Vocês estão em contato com as sombras e a emissão cerebral do autor. Vocês são parte do impulso e continuação de Tchekhov, Dostoievsky, Ibsen, Shakespeare.
Vocês não são chacais, comendo tudo que outro te daria. Vocês devem recusar ensaios ruins. Vocês não devem comer de carcaças estragadas. Vocês têm dentro de vocês a cada minuto, a cada segundo, a seleção moral entre o bem e o mal. Vocês são responsáveis por tudo que está acontecendo agora com a humanidade. Vocês são parte dessa humanidade. Hoje a humanidade pode cair.
E ela está caindo. E nós, todos nós não podemos ficar de fora e fingir que nada está acontecendo. Que isso não nos diz respeito. Vocês não são uma caixa que fala sem parar, mas videntes. Seu jogo deve ser moderno, imediato, apaixonado, intenso e honesto, forte e resistente, como a vida real. Vocês estão cansados. Vocês perdem a conexão com o tempo. Vocês estão doentes. Vocês estão em perigo. Vocês estão em perigo.
Andriy Zholdak

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